quinta-feira, 16 de julho de 2009

JURISPRUDÊNCIA - Dano moral. Rescisão indireta. Uso de banheiro.

Tribunal Regional do Trabalho - TRT3ªR. Processo: 01151-2008-139-03-00-1 RO Data de Publicação: 10/06/2009 Órgão Julgador: Decima Turma Juiz Relator: Juiza Convocada Taisa Maria M. de Lima Juiz Revisor: Juiza Convocada Wilmeia da Costa Benevides
RECORRENTES: 1) MANUELA QUARESMA DA SILVA 2) ALMAVIVA DO BRASIL TELEMARKETING E INFORMÁTICA LTDA. RECORRIDOS: OS MESMOS EMENTA.
DANO MORAL. RESCISÃO INDIRETA. USO DE BANHEIRO. O tratamento do empregador que restringe, de forma injustificada e com rigor excessivo, a utilização do banheiro pelo empregado, representando uma situação vexatória e até de "ridicularização" do trabalhador, ainda que em potencial, ofende à honra e imagem, atinge o ser e todo o acervo extrapatrimonial que o acompanha, constitucionalmente protegido e atrai a responsabilidade civil do empregador que gera o dever de reparação pelo ato ilícito, com fulcro no art. 927 do Código Civil, aplicável no âmbito do Direito do Trabalho, por força do art. 8º consolidado. Configura o dano moral, a conduta ilícita da empresa a exposição da utilização do banheiro acima do tempo de 5min em tela de computador, bem como a permissão e conivência com a criação de um ambiente de trabalho hostil, com piadinhas e brincadeirinhas. Estes são fatores que desmotivam a continuidade da prestação de serviços e autorizam a rescisão indireta do contrato, nos termos do art. 483, aliena "e" da CLT. Se configurado o dano moral suportado pelo empregado por atos praticados pelo empregador na execução do contrato, o pedido de rescisão indireta tem procedência. Vistos, relatados e discutidos os autos de Recurso Ordinário, em que figuram, como Recorrentes, MANUELA QUARESMA DA SILVA, ALMAVIVA DO BRASIL TELEMARKETING E INFORMÁTICA LTDA., e como Recorridos, OS MESMOS. RELATÓRIO A MM. Juíza Silene Cunha de Oliveira em atuação na 39ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte afastou a preliminar, e no mérito, julgou procedentes, em parte, os pedidos para condenar a Reclamada ao pagamento de indenização por danos morais; 8/12 de 13º salário proporcional; férias integrais com 1/3; horas extras, com reflexos (fls.193-200). Embargos de Declaração da Reclamada que foram julgados procedentes, em parte, para suprir omissão nos termos de fl.213. A Reclamante não se conforma com a decisão, pretendendo a declaração da rescisão indireta do contrato, com a condenação às verbas rescisórias típicas; almeja ainda a majoração do valor fixado a título de indenização por danos morais (fls.201-06). A Reclamada se insurge contra a sentença, pretendendo ser absolvida da indenização por danos morais, das horas extras, com reflexos; almeja ainda a declaração de que a Reclamante está isenta do pagamento de honorários advocatícios, devendo ser intimada desta isenção, em face da concessão da justiça gratuita (fls.214-23). Preparo regular às fls. 224-26. Contra-razões recíprocas às fls.228-41 . É o relatório. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE Conheço dos recursos, porque presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, salvo quanto ao apelo da empresa, quanto à concessão da justiça gratuita por falta de interesse e legitimidade. A discussão travada pela empresa em torno da concessão da justiça gratuita não pode ser sequer conhecida, pois falece interesse e legitimidade à Reclamada para defender supostos interesses da Reclamante, lembrada a regra do art. 6 do CPC, de aplicação subsidiária. A empresa, em seu recurso, pretende que em face da concessão da justiça gratuita à obreira seja esta intimada de que está isenta do pagamento de honorários advocatícios a sua patrona. Como se não bastasse estar tal alegação fora da aplicação da Lei 5.584/70, que não prevê e nem absorve honorários advocatícios contratuais, a empresa não tem o menor interesse, nem legitimidade em resguardar direitos e interesses da Autora. Por isto, não conheço da questão. Examino, em conjunto, os recursos no que diz respeito ao dano moral e à rescisão indireta, pois as matérias são comuns e envolvem os mesmos fatos. JUÍZO DE MÉRITO APRECIAÇÃO CONJUNTA DOS RECURSOS Dano moral e rescisão indireta Na inicial, a Reclamante alegou que sofreu constrangimentos por parte da Reclamada em face da limitação para o uso de banheiro, pois era preciso pedir autorização, além do tempo ser só de 5 min e as pausas constarem da tela do computador; no caso de ser ultrapassado o tempo, havia advertência verbal, expondo a empregada a ironia e expressões pejorativas pelos colegas. Afirmou sobre a existência de dias temáticos na Reclamada, nos quais era obrigada a usar acessórios e seguir comportamentos ditados pela empresa, expondo-a ao ridículo. Foi expressamente alegado o assédio moral e a motivação para rescisão indireta do contrato. Em sua defesa, a empresa negou os fatos articulados pela obreira e afirmou que ela não mais compareceu ao serviço, caracterizando o pedido de demissão. Sustentou ainda que a empresa não obriga seus empregados a se fantasiarem (fls..47-48). O juízo de origem acolheu a concretização de dano moral, mas afastou a rescisão indireta. Nesta perspectiva, já não compartilho do entendimento de origem. Tem razão o Reclamante quando sustenta a contradição no julgado, pois se houve o constrangimento ilegal, configurando-se o assédio moral capaz de gerar o dever de reparação pelo empregador, certamente, existiu a motivação para a rescisão indireta do contrato. A procedência de um dos pedidos decorre a procedência lógica do outro. E tem razão a empresa ao alegar que o ônus da prova em torno do dano moral pertence à obreira, nos termos do art. 818/CLT c/c inc. I, art. 333/CPC. Portanto, cumpre verificar a configuração do alegado assédio moral na espécie e se o Reclamante se desincumbiu do ônus que lhe competia. Antes, esclareça-se que o assédio moral é uma das espécies do dano moral. O dano moral é gênero. Nem todo dever de indenizar por danos morais é decorrente de assédio moral. O assédio moral tem pressupostos muito específicos, tais como: conduta rigorosa reiterada e pessoal, diretamente em relação ao empregado; palavras, gestos e escritos que ameaçam, por sua repetição, a integridade física ou psíquica; o empregado sofre violência psicológica extrema, de forma habitual por um período prolongado com a finalidade de desestabilizá-lo emocionalmente e profissionalmente. Os danos morais se relacionam com a lesão a valores e bens que estão ligados à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, cuja proteção é assegurada nos artigos 5o., inciso X, da Constituição da República e 927 do CC. Daí porque, entende-se como patrimônio moral, aquilo que representa o ser, o homem interior, que é eterno e o acompanha para sempre, enquanto o menos deve ser representado pelo patrimônio material, o ter, que é transitório, provisório. Antes de ter, a pessoa precisa ser. Assim, o tratamento discriminatório do empregador que restringe, de forma injustificada e com rigor excessivo, a utilização do banheiro pelo empregado, representando uma situação vexatória e até de ridicularização do trabalhador, ainda que em potencial, ofende à honra e imagem, atinge o ser e todo o acervo extrapatrimonial que o acompanha, constitucionalmente protegido e atrai a responsabilidade civil do empregador que gera o dever de reparação pelo ato ilícito, que por sua vez, constitui-se na ação ou omissão, atribuível ao agente, danosa para o lesado e que fere o ordenamento jurídico, com fulcro no art. 927 do Código Civil, aplicável no âmbito do Direito do Trabalho, por força do art. 8º consolidado. Por outro lado, também cabe dizer que não passa despercebido que, hoje, com a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar os pedidos reparatórios de dano moral decorrentes da relação de emprego o momento é de extrema cautela, para que não haja um desvirtuamento dos princípios e regras próprias em torno da matéria e, exatamente, a fim de evitar que os pleitos de indenização que abarrotam essa Justiça Especial se transformem em um negócio lucrativo para as partes e respectivos advogados. Dizer isto não pode ser confundido com a desconsideração de que a empresa, considerada empregadora na acepção (art. 2º, da CLT), está inserida no contexto do capitalismo como um ente destinado à obtenção do lucro, por isso que, no âmbito do Direito do Trabalho, ela se arroga do poder diretivo, assumindo amplamente os riscos sociais de sua atividade econômica, e se investe da obrigação de garantir a segurança, bem como a integridade física e psíquica dos seus empregados, durante a prestação de serviços. A questão é que a caracterização desta responsabilidade civil não dispensa a concretização dos requisitos em torno da conduta culposa ou dolosa do empregador (ato ilícito) e do o dano. Não é qualquer sentimento íntimo de pesar, bastante comum na relação de empregado e patrão, que enseja a responsabilidade civil por danos morais. E não basta alegar dano moral, sem prova dos pressupostos que ensejam a responsabilidade civil do empregador. No caso dos autos, a prova oral de fls. 189-91 revela a praxe da empresa em limitar o uso do banheiro pelos empregados, durante os 30min de intervalo para descanso e refeição e em 5min no restante da jornada; que há um registro de pausa no computador quando o tempo de 5min é ultrapassado, o que gera "piadinhas" e "brincadeirinhas" da equipe, com perguntas sobre o que o empregado estava fazendo no banheiro. Além disto, a prova oral também confirma a existência de "dias temáticos" na empresa, nos quais os empregados se fantasiam. A testemunha Yara disse que o empregado tem que ficar vestido assim durante toda a jornada e caso não vista a fantasia, o empregado é excluído da equipe pelo supervisor que "costuma" pegar no pé (fl. 189). A testemunha Nayara disse que o empregado que não que se fantasia costuma ser excluído dos eventos da equipe pelo supervisor (fl.190). Diante deste contexto probatório, vislumbro um excesso de rigor, e certo descuido, por parte do empregador em relação ao uso do banheiro, no que diz respeito ao registro da pausa no computador quando aquele tempo de 5min é ultrapassado, bem como ao ser conivente com o "clima" vexatório criado no ambiente de trabalho. O empregador tem direito de limitar o uso do banheiro, no caso de exercício de determinadas funções, como na espécie, envolvendo a atividade de operadora de telemarketing. Isto faz parte do poder diretivo. Todavia, o exercício deste poder não pode ser confundido com permitir a exposição do trabalhador a situações vexatórias, em que há a exposição ao ridículo seja por superiores hierárquicos, seja por colegas de equipe. O empregador não pode tolerar tais praxes dentro do ambiente de trabalho e deve buscar meios e condutas para evitar situações, no mínimo, estressantes. Na espécie, não se trata propriamente de assédio moral, em que restaram preenchidos todos os pressupostos para a caracterização deste. Todavia, vislumbro o dano moral, bem como a conduta ilícita da empresa em expor a utilização do banheiro acima do tempo normal em tela de computador e permitir a criação de um ambiente de trabalho hostil. O Reclamante, ao contrário do que sustenta a empresa, desincumbiu-se do ônus da prova que lhe competia. E a indenização fixada na origem, no valor de R$ 2.000,00, não ultrapassa os limites da razoabilidade e da proporcionalidade. No caso em concreto, a medida serve também como tutela inibitória, para que o empregador tome consciência de que, hoje, o trabalhador tem sua honra e imagem constitucionalmente protegidos e cumpre, também, a ele zelar pela integridade física e psíquica de seus empregados. Quanto aos dias temáticos, a experiência comum revela que o trabalhador precisa atender à demanda do mercado, que exige flexibilidade de condutas, inteligência emocional, o que não se confunde com permissão para tratamento discriminatório e vexatório por parte do empregador. Neste aspecto, não vejo a prova de rigor excessivo na conduta da empresa, capaz de gerar o assédio e nem mesmo dano moral. Não foi provado qualquer ilícito. Os dias temáticos fazem parte da dinâmica deste grupo empresarial e deste ramo de trabalho. O empregado fica neste tipo de serviço se quiser. Daí porque, reforço que a indenização por dano moral fixada em R$ 2.000,00 deve ser mantida. No que tange à rescisão indireta, realmente, a permissão e conivência do empregador com um ambiente de trabalho hostil, em que o empregado é exposto a situações vexatórias, bem como a determinação de registro de pausas em tela de computador no caso de o tempo de 5min de uso ser ultrapassado são fatores que desmotivam a continuidade da prestação de serviços e autorizam a rescisão indireta do contrato, nos termos do art. 483, aliena "e" da CLT. Assim, compartilho do entendimento de que se existe o dano moral suportado pelo empregado por atos praticados pelo empregador na execução do contrato, o pedido de rescisão indireta tem procedência. Isto posto, nego provimento ao Recurso da Reclamada; dou provimento, em parte, ao Recurso da Reclamante para declarar a rescisão indireta do contrato e condenar a Reclamada ao pagamento de aviso prévio indenizado, FGTS com 40%, à entrega das guias TRCT, no código 01, CD/SD, sob pena de indenização substitutiva do seguro-desemprego e à baixa na CTPS da Reclamante. Horas extras A jornada contratada era de 6h diárias e o juízo de origem confirmou a existência de diferenças em favor da Reclamante pelo cotejo dos controles de jornada juntados e dos recibos de pagamento. A Reclamada não consegue demonstrar que a constatação do juízo "a quo" está equivocada. Por outro lado, não existiu condenação a título de horas extras decorrentes de inobservância de intervalo pela Reclamada, como esta faz crer em seu recurso. Além disto, os períodos de intervalo não se compensam com o tempo residual extra em favor do empregado. Nada a prover. CONCLUSÃO Em face do exposto, conheço dos Recursos, salvo quanto ao Recurso da Reclamada no que tange à justiça gratuita por falta de interesse e legitimidade; nego provimento ao Recurso da Reclamada; dou provimento, em parte, ao Recurso da Reclamante para declarar a rescisão indireta do contrato e condenar a Reclamada ao pagamento de aviso prévio indenizado, FGTS com 40%, à entrega das guias TRCT, no código 01, CD/SD, sob pena de indenização substitutiva do seguro-desemprego e à baixa na CTPS da Reclamante; mantenho inalterado o valor da condenação e das custas. MOTIVOS PELOS QUAIS, O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em Sessão da sua Décima Turma, hoje realizada, analisou o presente processo e à unanimidade, conheceu dos recursos, salvo quanto ao recurso da reclamada no que tange à justiça gratuita por falta de interesse e legitimidade; por maioria de votos, negou provimento ao recurso da reclamada e deu provimento parcial ao recurso da reclamante para declarar a rescisão indireta do contrato e condenar a reclamada ao pagamento de aviso prévio indenizado, FGTS com 40%, à entrega das guias TRCT, no código 01, CD/SD, sob pena de indenização substitutiva do seguro-desemprego e à baixa na CTPS da reclamante. Mantido inalterado o valor da condenação e das custas, vencida parcialmente a Exma. Juíza Convocada Revisora que, no recurso da reclamada excluía da condenação o pagamento da indenização por dano moral e, no recurso da reclamante, negava provimento, reduzindo o valor da condenação para R$18.000,00 e o das custas à razão de R$360,00. Belo Horizonte, 27 de maio de 2009.
TAISA MARIA MACENA DE LIMA RELATORA

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